A VIDA ETERNA E AS ESCOLHAS ENTRE O CERTO E O BEM

Lc 10.25-37 nos descreve um episódio em certo dia na vida de Jesus que precisa merecer nossa melhor atenção. Muito são os textos bíblicos que por serem muito conhecidos, são também os menos compreendidos. Explico: eles são tão lidos e pregados que acabam por cauterizar nossas mentes e corações, deixando-nos imunes à sua mensagem. A parábola do samaritano é muito conhecida, mas o que temos lido e ouvido nos levam a concluir apenas que os religiosos (o sacerdote e o levita) foram frios e distantes e que o samaritano foi sensível ao ver o homem caído. Existe algo mais, que não nos foi revelado, mas que se encontra presente no texto? Creio que sim e vejamos o que Jesus realmente expressa e ensina a todos nós. Lemos que um doutor (intérprete) da Lei pergunta a Jesus – testando-O – o que deve fazer para herdar a vida eterna. Na seqüência da leitura do texto fica evidente que a mente de Cristo funciona de forma combinada com elementos lógicos e analógicos, ou seja, confronta o raciocínio lógico, coerente, natural, racional, com analogias, comparando pontos semelhantes entre coisas diferentes. Diante de uma pergunta perspicaz feita por um intérprete da Lei (com o intuito de por Jesus à prova, v.25), Jesus responde com igual perspicácia devolvendo àquele homem a pergunta: Que está escrito na Lei? Como lês (interpretas)? Jesus aqui apela para a lógica e objetividade da Lei, conhecida do interlocutor, pois este era especialista em interpretação. À pergunta objetiva de Jesus o intérprete respondeu citando uma conhecida síntese legal: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e amarás o teu próximo como a ti mesmo” (v.27). À resposta tão objetiva do intérprete segue-se a conclusão lógica e sumária de Jesus; “Respondeste bem (corretamente); faze isso e viverás”. Mas longe de se contentar, visto que o homem queria provocar Jesus, ele insiste deixando a lógica de lado e torna a perguntar: “quem é o meu próximo?”(v.29). E aqui a mente de Jesus desenvolve o lado analógico e passa a descrever a parábola. Jesus recorre à metáfora, à parábola, à linguagem simbólica, à força da imagem e da imaginação. A narrativa de Jesus descreve algumas cenas repletas de contradições lógicas e paradoxos teológicos. Vejamos alguns desses contrastes: PRIMEIRO: Jerusalém fica a cerca de 740 metros acima do nível do mar e Jericó a 400 metros abaixo do nível do mar, na região do mar Morto. Assim, embora a distância seja pequena de menos de 30 km, há um desnível de mais de 1.100 metros. É um caminho íngreme, cheio de desfiladeiros, ideal para emboscadas e ação de salteadores. Ninguém em sã consciência se aventuraria a passar por ali a não ser que estivesse em caravana, jamais sozinho. Ao que tudo indica, portanto, a vítima da parábola não era uma pessoa prudente. SEGUNDO: Geralmente pensamos que o sacerdote e o levita, que passaram de largo faltaram com suas obrigações, mas isso não é bem verdade. Havia todo um conjunto de regras, normas e leis muito claras e rígidas que proclamavam que os que exerciam funções religiosas ficariam impedidos de realizá-las caso tocassem em um cadáver, ou em um estrangeiro, pois estariam ritualmente impuros. Ora tanto o sacerdote quanto o levita fizeram o que parecia certo, o que era mais lógico. Podem ter pensado: “Esse aí que está no chão pode ser um estrangeiro e pode me contaminar e impedir-me de realizar minhas funções. Ou pior: “esse aí pode estar morto e, neste caso, nada poderei fazer para ajudá-lo. “Além do mais, pode ser uma emboscada, ele pode estar fingindo para me atrair e assim que me aproxime mais, salteadores podem me atacar”. Portanto, a lógica e o bom senso sugeriam aos dois caminhantes que não haveria nada mais inteligente a fazer do que sair dali o mais rápido possível. Não podemos recriminá-los, uma vez que não fazemos nós as mesmas coisas quase todos os dias, quando passamos por situações semelhantes nas estradas, nos semáforos, nas calçadas...! TERCEIRO: O samaritano é alguém que quebra todas as regras do bom senso. Aproxima-se do perigo. Quando está bem próximo percebeu bem que aquele homem era um judeu – como os demais judeus arrogantes por quem os samaritanos nutriam um histórico desprezo – mas isso não o impediu de aproximar-se ainda mais. Ele se importou, pois se moveu de íntima compaixão. Correndo o risco, foi até o homem cuidou dele, servindo-se de seu meio de transporte levou o ferido até uma estalagem – um hotel de beira de estrada – onde pudesse ser tratado, deixou recomendações e mais- gastou dinheiro com tudo isso. A PRÁTICA DO CERTO: Nesta história não pode haver dúvida sobre quem fez o que era CERTO. Tanto o sacerdote quanto o levita fizeram o certo. Eles cumpriram o preceito religioso, usaram de bom senso, evitando o perigo. Eles foram prudentes e usaram a lógica e a inteligência quanto a sua auto-preservação. A PRÁTICA DO BEM: Quem fez tudo errado foi o samaritano, ele arriscou-se, quebrou preceitos, rompeu com o bom senso, desperdiçou suas reservas de medicamentos e ataduras, perdeu tempo e dinheiro... SE O SACERDOTE E O LEVITA FIZERAM O QUE ERA CERTO E QUEM PROCEDEU ERRADO FOI O SAMARITANO ... POR QUE JESUS CONSIDERA O SAMARITANO O HERÓI DA HISTÓRIA? Esta é uma questão intrigante. A chave para se entender a mente de Cristo está no versículo 33... Certo samaritano... vendo-o moveu-se de íntima compaixão. O verbo compadecer de origem grega deriva de uma palavra que significa “vísceras”, “intestinos”, “entranhas”. Trata-se daquele sentimento que revolve nosso estômago, deixando-o embrulhado, revirado, diante do sofrimento humano. Ter compaixão conduz ao embrulhamento e deixa-nos enjoados, posto que desce ao fundo da alma. Normalmente nos importamos com o que é errado ou certo (a verdade/razão) e com o que é inteligente (lógico), e de forma bem natural, quanto mais seguros estivermos de estarmos certos, e de estarmos do lado da verdade, mais justificativas encontramos para nossos atos de indiferença e pior, de intolerância. Neste sentido, fazer o que é certo é o primeiro passo para a intolerância. Qual é então a proposta de Jesus? O problema não é ter que escolher entre o CERTO OU ERRADO. A questão está entre FAZER O CERTO ou FAZER O BEM! Como racionais, reforçamos a idéia de que para se fazer o certo, devemos exercitar a razão, e é isso mesmo, e assim devemos fazer sempre; mas nunca devemos perder a noção de que o CERTO não é mais importante do que a VIDA: “O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado” ( Mt 2.27). Algo muito mal acontece quando a nossa prática do certo nos impede de sermos melhores e mais humanos, e nos incapacita para sentirmos indignação e nojo pela miséria e pela degradação deste mundo globalizado e injusto, tornando-nos intolerantes ou indiferentes ao sofrimento do nosso próximo! É preciso mudar isto! Mas como desenvolver em nosso convívio social uma prática que vá além do certo? Haverá quem diga que isto é impossível e que é tarefa por demais espinhosa e difícil, posto que o homem moderno cada vez mais se preocupa em viver na sociedade de consumo que valoriza o ter e não o ser. Muito embora tentem, tanto as escolas quanto as igrejas, não têm conseguido reverter esse quadro. A violência urbana, os casos de degradação moral, de estupros, de pedofilia, de conflitos domésticos só têm aumentado. E essas estatísticas parecem sinalizar que não basta ensinar o certo para que as pessoas se tornem melhores. Não adianta ensinar o CERTO se não somos capazes de aprender o que é realmente BOM para nós. Precisamos viver e praticar o certo, sem desconsiderar a prática do bem... Precisamos praticar a tolerância e o bem. Somente é intolerante quem tem a certeza de que está fazendo o que é certo, mas nunca é intolerante o que está certo de estar fazendo o bem. Ao final da parábola (exemplo analógico), Jesus apela novamente para a lógica que oferece conclusão ao seu raciocínio: “Qual destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? (ou qual deles viu no homem ferido um próximo?). Respondeu o intérprete da Lei “O que usou de misericórdia para com ele”. (v.37). Tal é a proposta de vida prática que Jesus ensina: Um diálogo entre a razão e as entranhas, entre o intelecto, o cérebro, e o coração. Jesus propõe a primazia da vida sobre os preceitos ao defender QUE QUANDO TIVERMOS QUE OPTAR ENTRE FAZER O CERTO OU O BEM, DEVEMOS SEMPRE ESCOLHER FAZER O BEM. Guardemos, então, em nossos corações e em nossas mentes, o que nos ensina Cristo. Devemos exercer a prática do certo e aprenderemos muitas coisas; mas devemos exercer, igualmente, a prática do bem, posto que, segundo Suas palavras: “Faze isto e viverás (v.28). Em tudo e em todos os sentidos, nossa prática diária na Comunidade realça a primazia do bem sobre o certo. Queremos fazer o certo - obedecer à Palavra, com integridade, com retidão, sendo tementes à Deus e afastando-nos do mal - mas privilegiamos a prática do bem, posto que importa-nos amar o próximo, construindo relacionamentos solidários e eternso (At 2.42-44;4.32 e Rm 2.7).(Síntese da mensagem deste pastor levada à Comunidade no culto de domingo 12/10/2008).

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